quarta-feira, 2 de outubro de 2013

VIDA ESPIRITUAL



Uns chamam vida espiritual aderir a um dogma e praticar os ritos de sua fé.
Outros chamam vida espiritual trocar seus dogmas e ritos por outros dogmas e práticas.

Alguns chamam vida espiritual estudar as chamadas ciências ocultas.


Muitos pensam que a vida espiritual é a sua inclinação para apreciar a arte e as coisas belas.

Incluso os que dizem não ter ou não crer na vida espiritual sentem as vezes o desejo de uma vida melhor; e quantos há que apesar de rejeitarem a ideia de um ideal transcendente, trabalham por uma ideia de bem comum, que vai mais além de seus interesses imediatos.

Todos os seres têm vida espiritual.

Por isso pensamos que invés de discutir se a vida espiritual existe ou não, ou o que é vida espiritual, o que nos conviria é que cada um de nós descubra sua vida espiritual; que cada um se faça consciente das características que tem e como se desenvolve sua vida espiritual.

É corrente a ideia de que a vida espiritual é um meio para salvar a alma, ou para ganhar o céu, ou para liberar-se ou para evoluir e desenvolver-se.

Conviríamos ampliar esta forma limitada de conceber nossa vida espiritual.

Seria mais útil para nós compreender que a vida espiritual não é um meio que permanece sempre igual enquanto nós evoluímos. Para que possamos desenvolver-nos, nossa vida espiritual necessita desenvolver-se conosco.

Em outras palavras, a vida espiritual é também um processo que segue uma linha de desenvolvimento.

Possivelmente esse enfoque troque a ideia que muitos de nós tem de sua vida espiritual.

Quando alguém empreende sua vida espiritual, seja que ela consista em professar uma crença, em práticas devotas, em sistemas de meditação ou na realização de um ideal social, crê que o único que tem a fazer é crer, praticar, ou estudar, ou cumprir um programa para alcançar seu objetivo.

Não obstante, não ocorre assim; quando alguém crê que está alcançando o que buscava não encontra o que esperava. São comuns, por isso, as crises de fé e as desilusões que fazem pensar a alguns que a realização a que aspiram é inalcançável.

É provável que o problema não resida na capacidade de realizar, e sim que consista em uma interpretação errada do desenvolvimento.

Há um momento em que o desenvolvimento se detém se não se desenvolve também o motor desse desenvolvimento: o objetivo que se persegue. Isto nos exige trabalhar especialmente sobre os motivos que nos impulsam.

Ao mesmo tempo que nos desenvolvemos necessitamos desenvolver, em outras palavras, espiritualizar nosso ideal. Nosso desenvolvimento individual não pode separar-se nem realizar-se em forma independente do desenvolvimento de nossos objetivos.

Como tomo consciência de qual é o meu objetivo?

Tenho que perguntar-me que é o que quero realmente. Porém não para saber que coisa quero, e sim para descobrir de que natureza é isso que eu quero.

Se, por exemplo, quero bens materiais, poderia parecer que quero algo diferente que se digo que quero estar contente. Porém ambos os objetivos consistem em satisfazer meus desejos da mesma maneira. Ambos são da mesma natureza; são objetivos pessoais. Se o que quero á a felicidade de minha família, ou de meus amigos, isso implica um objetivo de outra natureza, porque vai mais além de meu interesse estritamente pessoal.
O que tenho que descobrir é qual o desejo que realmente me move e que está detrás do que digo; porque posso estar dizendo que quero o bem estar de minha família quando na realidade, o que quero é minha própria tranquilidade.

Muitas vezes cremos que trocamos a natureza de nossos objetivos sem aperceber-nos de que trocamos somente os nomes com que designamos as mesmas coisa, e que uma troca de nome não implica uma troca de objetivo.

Para poder desenvolver minha vida espiritual também necessito saber qual a relação que tenho com os objetivos que creio ter. Para ajudar-me neste sentido conviria que, por exemplo, refletisse sobre:

- Que aspectos de minha vida constituem para mim minha vida espiritual,     meu desenvolvimento como indivíduo.

- Que transcendência tem meu objetivo espiritual em minhas decisões            habituais.

- Se existe ou não uma oposição entre meu objetivo espiritual e meus           objetivos cotidianos.

- Se existe em mim uma divisão entre o desejo de desenvolver-me e o tipo   de desejos que movem meus atos.

É comum que, quando alguém se faz estas perguntas, verifique que ele não é uma unidade; que ele está submetido à luta de forças contraditórias.

Isto não quer dizer que não se realiza uma vida espiritual frutífera; mostra somente em que estado estamos e em que sentido necessitamos desenvolver-nos.

Eu posso ser membro de uma igreja, e pensar que minha vida espiritual é o meu credo, minha fé, minhas práticas devotas. Por outro lado, sinto-me à merce de meus sentimentos variáveis, de meus pensamentos confusos e, não obstante, sinto que eles são a minha vida e que me expressam a mim tal como sou. Depois, quando volto às minhas devoções, sinto que também tenho outra vida, minha vida espiritual, mas que de alguma maneira está desconectada do que habitualmente sinto que sou e que vivo.

Muitas vezes meu trabalho, a vida diária, minha relação com os demais é um processo de ação e de reação no qual perco minha noção de ser. Quando trato de recuperá-la recorro às minhas práticas espirituais, minha meditação, minha devoção ou minha ação de bem sobre os demais. Mas isto não impede que me sinta dividido, como se estivera no meio de uma batalha interior na qual a cada instante corro o risco de perder meus valores espirituais.

Quando me vejo falhar penso que fracassei em minha vida espiritual e que o remédio está em praticar melhor meu credo, seja este o de uma religião, de um caminho espiritual ou de uma ideia social.

É bom que eu tome consciência da maneira como aplico as idéias que digo ter, mas essa consciência não me libera da luta contínua para ser fiel a ela. Isto me mantém como que encerrado em um círculo vicioso de que me sinto culpado por minha debilidade e imperfeição.

Há um instante na vida espiritual em que nos parece que estamos estancados sem remédio, sem que vejamos saída adiante.

Esse é o momento de descobrir qual é a natureza de minha vida espiritual.

Em primeiro lugar, qual a natureza de meu objetivo. Depois, que coerência tem minha vida espiritual, de que maneira está comprometido todo seu ser nela. E, por último, tenho de descobrir se minha vida espiritual se desenvolve em si mesma; se se apoia sobre os mesmos estereótipos de meu passado, se sofreu uma purificação, se meus objetivos se espiritualizaram.

Se minha vida espiritual não se desenvolve em si mesma; se minha maneira de ver-me a mim mesmo não trocou; se minhas intenções não se expandiram, meu próprio desenvolvimento é uma ilusão. Mantendo-me atado ao que concebi, a essa cristalização que fiz do que podia ser o bem e a verdade para mim.

O desenvolvimento espiritual propriamente dito é um processo que começa quando se concebe um objetivo que transcende os interesses pessoais estritos. É o despontar da consciência de ser algo mais do que o mero produto do instinto de conservação e do desejo de auto satisfação.

Logo a vida espiritual vai se desenvolvendo na medida em que se expande a noção de ser.


Se minha noção de ser é a de ser independente e separado da realidade que me circunda, minha vida espiritual tem também essa característica. Quando minha noção de ser se expande e inclui em minha consciência e em meu interesse algo mais que eu mesmo, também o faz minha vida espiritual.

É impossível desenvolver a vida espiritual se nos aferramos a uma noção de ser que resiste a expandir-se e participar.

Não obstante, muitas vezes cremos que estamos desenvolvendo nossa vida espiritual embora seja evidente que nossa noção de ser não se desenvolve.

Como posso saber se se desenvolve minha noção de ser?

É muito simples. Basta que eu observe qual é a natureza de meus pensamentos habituais: como penso, em que penso, o que me preocupa.

A área que cubro com meus pensamentos habituais é na prática a que cobre minha noção de ser. Naturalmente não estamos falando neste caso da consciência de ser, senão dos limites até onde chega a noção que tenho de ser-no-meio. 

Se meus pensamentos habitualmente se concentram em mim e o que quero, essa é minha noção de ser. O meio não é  "meu"  meio, senão que é  "o outro",  o oposto a mim.

Se meus pensamentos habituais incluem os outros, eles se incluem em minha noção de ser e formam "meu" meio.

A experiência nos mostra que quando o indivíduo se desenvolve espiritualmente se expande sua noção de ser e a noção que ele tem de qual é o "seu"  meio, até que esse meio são todos os seres humanos, o mundo, o universo.

Qual é  "minha"  noção de ser? Quais são os limites de meus pensamentos habituais? Hão se expandido? Se é assim, minha vida espiritual também experimentou um desenvolvimento. Se, em troca, permaneço dentro dos mesmos limites, minha solução não consiste em intensificar minhas práticas espirituais, trocar de dogma ou de exercícios. O que necessito é trabalhar interiormente para expandir minha noção de ser e espiritualizar a natureza dos objetivos que motivam meus esforços.

A questão não é ser  "mais"  espiritual. A questão é desenvolver a ideia do que é espiritual e do que é vida espiritual.


Ensinamentos de CAFH - Um Caminho de Desenvolvimento Espiritual.  

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