sexta-feira, 11 de março de 2016

QUEIXA FRUTÍFERA - O VALOR DAS PALAVRAS - JORGE WAXEMBERG

Queixa frutífera

Deter a queixa nos ensina a contemplar os fatos tal como são em vez de rechaçá-los quando nos desgostam. Isto nos permite discernir o que podemos fazer em relação ao que nos faz sofrer e projetar um plano de ação para solucioná-lo.
Quando nos queixamos, expressamos uma dor ou um sofrimento, ou então um ressentimento ou desconformidade com alguém ou com algo. De acordo com a razão da queixa e com o resultado que obtivermos ao expressá-la, podemos dividir as queixas em:
Reclamação
  • Queixa justificada
  • Queixa infrutífera
    A reclamação é um direito que temos para que, por exemplo, nos seja fornecido um serviço que contratamos, mas que não recebemos. Quando nossa reclamação é atendida e recebemos esse serviço, dizemos que foi frutífera.
    Nossa queixa é justificada em várias situações. Algumas delas são, por exemplo:
    • Quando expressa nosso pesar pelo falecimento de um ser querido ou pelo rompimento de uma relação importante para nós.
    • Quando nos queixamos ao médico pelas dores que sofremos, em busca de uma cura. Esta queixa é frutífera porque proporciona ao profissional os dados de que necessita para aconselhar um tratamento
    • Quando expressa nosso sofrimento porque alguém nos inflige uma dor de forma arbitrária. Nestes casos, embora nossa queixa possa não ser frutífera, ao menos nossa intenção é que o seja, já que reclamamos para que quem esteja nos fazendo sofrer deixe de fazê-lo.
Mas nem sempre nos queixamos de forma frutífera. Se nossa dor se prolonga até converter-se em patológica já não é frutífera, mas um transtorno que pode ser tratado. Se nos mantivermos dependentes do que nos dói ou do que poderia nos doer, as nossas queixas ao médico nem sempre serão frutíferas. Se reagirmos de forma desmedida e nos enraivecermos quando alguém, de forma inadvertida, nos produzir alguma dor, nossa queixa raivosa não é necessária. Quem nos feriu sem querer não necessita de nossa recriminação para lamentá-lo.
Não nos queixamos somente por causa de dores; quando algo não acontece como gostaríamos ou como havíamos esperado, ficamos chateados e expressamos esta reação com queixas sem analisar o que conseguimos ou produzimos com nossos protestos. Nestes casos, o mais sensato seria investigar o que podemos fazer para remediar o que nos incomoda e fazê-lo.
Inclusive fazemos queixas que de antemão sabemos que serão infrutíferas.
Quando continuamos a nos queixar apesar de sabermos que não conseguiremos nada ao fazê-lo, poderíamos chamar de lamentos auto-compassivos as nossas queixas. Esses lamentos, além de inúteis, são incômodos e prejudiciais.
São incômodos porque é difícil que alguém queira ficar perto de nós se o que escuta de nós são ladainhas de lamentos. São prejudiciais porque criam tensão no ambiente e acrescentam ainda mais mal estar a uma situação que já está nos produzindo mal estar. Além disso, o hábito de lamentarmos gera em nós um estado de ânimo de mau humor, amargura a nossa vida e a de quem convive conosco.
A queixa infrutífera produz em nós um profundo desgosto. Talvez imaginemos que ao queixar-nos estaremos fazendo algo para mudar uma situação que nos incomoda, apesar de sabermos muito bem que esses lamentos não produzirão nenhuma mudança.
Por exemplo, nos queixamos porque não chega alguém que havia dito que viria nos ver ou porque chegou uma pessoa que não desejamos encontrar. Ou nos queixamos de alguém que não está presente, ou que talvez já nem esteja vivo, e expressamos a nossa queixa a quem quiser nos escutar –e que não fará ou não poderá fazer nada para aliviar o nosso sofrimento–. Podemos até mesmo nos queixar do clima, da passagem do tempo e de situações da vida que ninguém consegue evitar, pelo menos até agora. Enfim, nós nos queixamos de situações que não mudaremos com lamentações.
Embora as queixas infrutíferas nos permitam descarregar a tensão produzida pelos desgostos, o certo é que com este tipo de queixas tapamos a realidade; não queremos aceitar o que é óbvio da vida, de nossas relações e de nossa situação no mundo. E, enquanto não aceitamos a realidade, vivemos às cegas, tateando e com temor pelo que pode acontecer.
A auto-compaixão implícita na maioria de nossas queixas atenta contra nossa capacidade de reagir de forma positiva ante as contrariedades próprias da vida e as dificuldades que encontramos para realizar nossos objetivos.
Imaginemos que um atleta, enquanto corre na maratona, fica se queixando das dores que sente enquanto corre. É improvável que essa atitude o ajude a alcançar a meta. Da mesma maneira, quando nos queixamos de forma infrutífera, geramos sentimentos e atitudes que se opõem à possibilidade de realizar o que desejamos, de desfrutar a vida e as nossas realizações.
Deter a queixa nos ensina a contemplar os fatos como são em vez de rechaçá-los quando nos desgostam. Isto nos permite discernir o que podemos fazer em relação ao que nos faz sofrer e traçar um plano de ação para solucioná-lo.
Em consequência, o exercício sobre a queixa é o seguinte:
  • Diante de um contratempo, deter o impulso de queixar-nos
  • Discernir o que fazer para solucionar ou aliviar o que nos aflige
  • Se pudermos fazer algo, fazê-lo
  • Uma vez feito o que podíamos fazer, não nos queixar
    daquilo que nos contrariou
  • Se não podemos fazer nada, não verbalizar queixas
  • Não nos queixar mentalmente quando nos lembrarmos do ocorrido
  • Deixar para trás o incidente; não voltar mentalmente a ele
    No entanto, ainda que entendamos a futilidade de algumas de nossas queixas e pratiquemos este exercício, se tivermos esse hábito muito arraigado em nós, pode acontecer que continuemos a nos queixar. Se assim for, tratemos de nos dar conta de que embora possamos nos sentir melhor quando nos queixamos, como se estivéssemos nos livrando de algo que nos faz sofrer, ao queixar-nos atendemos apenas ao que nos dói no momento, sem ver tudo o que poderia nos fazer felizes se o tivéssemos em conta.

Vale a pena, então, que, quando começamos a nos queixar por causa de alguma coisa, tratemos de ampliar o contexto e perceber tudo de bom que temos e que nos acontece, e também todas as coisas dolorosas que poderiam nos acontecer e que não estão nos acontecendo. Ou, pelo menos, pensemos em algo diferente do que motiva a nossa queixa, para deter a mortificação que estamos produzindo em nós e também naqueles que nos escutam.
Por mais desesperada que nos pareça uma situação, se conseguirmos não dramatizá-la e refletir com calma sobre ela, o mais provável é que encontremos formas de superA- la ou, pelo menos, de aliviá-la. Desta maneira, poderemos nos relacionar de forma mais clara com o que ocorre, compreender melhor o que se passa ao nosso redor e o que nos acontece em nossa interação com o devenir. 

Para baixar o livro na íntegra acesse:
www.cafh.org
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