quarta-feira, 16 de março de 2016

SAIR DO CENTRO - O VALOR DAS PALAVRAS - JORGE WAXEMBERG

Sair do centro
(para ler o livro na íntegra acessar: www.cafh.or  - idioma português - publicações).


Quando deixamos de ser o centro, as nossas decisões, julgamentos, desejos e ações deixam de estar tingidos pela intenção subjacente de defender- nos, de justificar-nos, de obter algo que apoie a visão que temos do mundo e da vida.



No contexto deste trabalho, sair do centro significa deixar de sentir-nos o centro de tudo o que ocorre. Para alcançar uma visão mais ampla sobre nós mesmos e sobre o que acontece, propomos um exercício que abra uma saída desse centro imaginário. Por exemplo, o de não falarmos sobre nós mesmos.
Quando se nos propõe este exercício, talvez nos perguntemos: "Se não falo de mim, do que vou falar?" Estamos acostumados a centrar as conversações sobre o que fazemos ou fizemos, sobre o que nos acontece ou nos aconteceu, sobre o que queremos, o que nos agrada, o que nos faz sofrer. Até fazemos reuniões só para dizer e escutar o que cada um quer dizer sobre si mesmo e sobre a sua vida, e sentirmos que essa participação nos faz bem.
Certamente esse tipo de conversação não só é válida, mas também recomendável quando estamos muito estressados ou um pouco confusos por não sabermos com clareza como reagir ou como nos comportar em certas situações. Mas temos que admitir que restringir a conversação a falar apenas de si mesmo, especialmente se o fizermos de forma habitual e repetitiva, ou a cada vez que nos reunirmos, voltamos aos mesmos problemas, às mesmas queixas, aos mesmos alardes ou às mesmas críticas, então essa forma de falar não faz bem nem a nós nem aos que nos escutam.
E se nos entretemos em dar-nos más noticias sem fazer nada para remediá-las, só semeamos tristeza e mal-estar.
Além disso, insistir em falar de si mesmos ou do que afeta a si mesmo mostraria quanta importância nos damos e também quão restrito é o âmbito de nossos interesses, de nossas preocupações e, inclusive, de nossas aspirações.
Mas a verdade é que somos o centro da maioria de nossas conversações. Até mesmo quando nos queixamos dos outros ou os criticamos, ou não escutamos, estamos expressando algo sobre nós que acreditamos que é muito importante manifestar.
O exercício que propomos se baseia em cortar o hábito de voltar continuamente a atenção sobre nós mesmos para referir-nos ao que sentimos, pensamos, fazemos ou nos aconteceu.
Depois o exercício se estende a outro hábito mais profundo que poderíamos ter: o de colocar em nós o ponto de partida de todas as considerações, avaliações, interesses e decisões, levando em conta apenas nossa satisfação ou nosso benefício particular –e, às vezes, o de nossos parentes–. Em síntese, em transformar-nos no centro da vida e do mundo, apesar de que nos seja óbvio que não é assim.
Quando nos habituamos a praticar este aspecto do exercício, muda a nossa maneira de ser e de expressarmos e, o que é importante, desde o ponto de vista de nosso desenvolvimento, adquirimos uma maior facilidade para expandir nossas ideias e sentimentos. Nossa forma de pensar, de considerar os eventos e os seres passa a abranger âmbitos cada vez maiores.
Esta mudança nos impulsiona a expandir também a área de nossos interesses; estes já não se limitam a nossos interesses particulares e pouco a pouco incluem áreas mais gerais e universais, até que nossos problemas deixam de ter tanta importância para nós e adquirem relevância os problemas dos outros e também os da sociedade.
Isto não implica que desconheçamos nossos problemas e que deixemos de trabalhar sobre os mesmos, mas que eles deixam de constituir o centro a partir do qual avaliamos tudo o que é e o que ocorre.
O exercício de não falar de nós mesmos pode ser praticado da seguinte maneira:
  • Quando estamos com uma pessoa ou em uma reunião, não falar de nós mesmos –do que nos acontece, do que sentimos, fazemos ou desejamos– durante um tempo determinado, de acordo com a duração da reunião
  • Dedicar mais tempo para escutar que para falar
  • Prestar atenção ao que os outros dizem e falar dos
    temas que lhes interessam
  • Deter o hábito –caso o tenhamos– de estar dependentes do que nos acontece
  • Deter o hábito –caso o tenhamos– de defender de forma obstinada e caprichosa os nossos pontos de vista
    Ampliar o âmbito de nossos interesses:
    • Antes de propor ou fazer algo, refletir sobre a forma como essa proposta ou essa ação pode afetar a outros
    • Prestar atenção ao que ocorre fora de nós e envolver- nos, seja de forma direta –quando se trata de algo que nos concerne em forma particular– seja participando interiormente dos sofrimentos que hoje

afligem a tantos seres que nem sempre estão presentes em nossa mente
É claro que não temos de cair na modalidade de continuar falando de si mesmos enquanto mudamos apenas a forma de fazê-lo.
Às vezes, a pessoa acredita que não fala de si mesmo, nem pensa em si mesmo pelo fato de haver iniciado um plano de ação que envolve um grupo de pessoas ou um setor humano, ou porque tem por finalidade solucionar problemas sociais ou mundiais.
Certamente é bom preocupar-se e trabalhar para solucionar problemas gerais, mas o fato de incorporar-se a um grupo que faça isto ou o fato de portar uma bandeira que proclame uma obra beneficente não implica que a pessoa tenha deixado de se sentir o centro do mundo.
Outras vezes, a pessoa acredita que não fala de si mesmo quando fala de outras pessoas, não para aprender sobre suas qualidades, experiências e realizações, mas para fazer julgamentos sobre essas pessoas, suas condutas e suas decisões. Não nos damos conta de que, dessa maneira, nos assentamos com muita firmeza no centro a partir do qual julgamos a vida e o mundo. Tampouco nos damos conta de que ao criticar os outros pelas costas mostramos aspectos nossos que desejaríamos não ter ou, pelo menos, que não fossem tão evidentes.
Não falar de si mesmo leva espontaneamente a não pensar continuamente em si mesmo e a deixar de ver tudo desde um ponto de vista tão estreito, particular e limitado. Como consequência, nossos movimentos interiores, nossos objetivos, desejos, relações, avaliações perdem grande parte da paixão com que os animávamos. Chamamos aqui de paixão a força com que carregamos o que sentimos, dizemos, fazemos e pensamos, e que gera em nós desejos de possuir ou alcançar algo em particular, exclusivamente nosso, sejam bens, privilégios, notoriedade ou triunfos.
Quando deixamos de ser o centro, as nossas decisões, julgamentos, desejos e ações deixam de estar tingidos pela intenção subjacente de defender-nos, de justificar-nos, de obter algo que apoie a visão que temos do mundo e da vida.
Os demais exercícios contidos neste trabalho são de certa maneira uma preparação para este exercício, já que cada um deles se centra em uma das tantas formas em que falamos de nós mesmos.
Este exercício, como os anteriores, estimula a expansão de nosso estado de consciência. Embora, talvez, no começo não percebamos, essa expansão é real pela forma como se expressa: expandem-se o nosso interesse, o nosso amor e os limites que colocamos em nossa vida. Expandem-se também as nossas possibilidades. Realizamos não só o que queremos para nós, mas também o que os outros necessitam que façamos para o seu bem e o da sociedade.
Por outro lado, praticar este exercício nos ajuda para que, quando falarmos de nós mesmos, discirnamos por que estamos fazendo isto. Por exemplo, quando dizemos aos outros o que está acontecendo conosco, vemos com clareza se o estamos fazendo para que as nossas experiências possam ajudar aos que as escutam, ou se as narramos para despertar compaixão, ou admiração, ou por que nos sentimos tão importantes que necessitamos que prestem atenção em nós e que nos tenham em alta conta.
Quando conseguimos este discernimento, o exercício fica para trás, uma vez que nos mantemos conscientes de por que e para que falamos, e orientamos nossas palavras de maneira tal que redundem em um bem para os que nos escutam. 

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